quinta-feira, 24 de maio de 2012

Zéro de Conduite

A alegria andava ao lado. De fato, do outro lado do canal. O mesmo onde, ironicamente, cruzava o barquinho que carregava o brilhante nome de Zéro de Conduite. Do outro lado, o som do pandeiro, atabaque e tamborim, que caminhavam e levavam todos, faziam a magia dos corpos quando dançam, um ato de alegria tão comum para mim. E eu andando na outra margem, indo paralela à essa alegria, vendo-a caminhar lado a lado, tão perto e ainda, do outro lado. Fiquei desejando o último barquinho sem conduta para me ajudar a cruzar, mas ele já tinha saído havia tempo. Olhei a distância para a ponte, e vi que não valia o desvio. Olhei pra frente e vi o único trajeto possível, o qual já tinha traçado antes mesmo de correr paralela à alegria inusitada. E fiquei tranquila por considerá-la tão prazerosa quanto à realidade do outro lado, certa de que algumas escolhas se acalmam com o tempo.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Eu e meu gato.

um gato
dois olhos
três anos
quatro patas
cinco dedos
seis vezes
sete vidas
oito redondos
noves fora.

Ginástica da madrugada.

Eu já nem me lembro há quanto tempo não escrevo para pensar. Eu resisti (e muito), eu desisti de tentar expressar por falta de coragem, e, principalmente, decidi assumir que, afinal, não era tão boa assim com as palavras escritas. Foi aí que eu inventei o meu mito de que com a palavra falada e o trabalho de esforço físico eu era realmente muito melhor. Tem anos isso. É de uma velocidade impressionante, quase amedrontadora. Pouco a pouco, porém, veio crescendo em mim uma falta, um vendaval de vazios, que até então não estava sabendo explicar. Achava que era solidão. Achava que era incapacidade de amar, traumas, experiências difíceis. Afinal, tinha escolhido, e de tão sofrida a escolha, achei que tinha que amputar certos desejos. Mas esse buraco tomou uma forma tão amorfa em mim que não conseguia mais me reconhecer. E tenho passado meses tentando ir ao encontro de mim, desse tal reconhecimento. Me propus até pequenos estudos íntimos, leituras de ética, sabe, coisas a se aplicar. Mas não durou, não deu consistência ao buraco, e dei pra reforçar que de fato, minha decisão tinha então sido honesta.
Bastou uma semana difícil mais um encontro que, eu tenho certeza, poderia ter sido algo de extraordinário (o extraordinário! o extraordinário que procuro em toda esquina!) para me trazer a insônia, movimento muito pouco conhecido por mim. E dessa insônia, a necessidade física de falar alto em palavras, berros borrados numa página digital jogada no mundo sem um só leitor. E, das poucas linhas que consigo esboçar, quero tentar preencher não só páginas, mas o coração de entendimentos, de tréguas, de carinho feito por quem recebe. Não há verdades, nem medos. Existe a dureza, e essa, essa se esconde tão bem numa força que se transveste de maturidade. Entendi só agora (quanta demora!) que para curar enrijecimentos crônicos causados pelas dores, o exercício da escrita é o melhor alongamento da alma.