terça-feira, 4 de setembro de 2012

Dançando o improviso.


nem vou me preocupar se
vai ter ou sem
medo esse tempo de
logo agora
não é tão longe que
nao possa se ver o fim do
que me espera nessa
caminhada que
vai dancando feito balanço de rede mas que
com peso de tormenta mental nem
parece meu movimento de
bailarina do inesperado.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Na janela de Montreuil.

E de um pulo acordou sob o sol que ardia em seus olhos. Não sabia bem ao certo se, passada aquela noite, teria acordado em um outro momento, ou outro lugar que não o da noite anterior. Aquilo de cores, olhos muito abertos e sobretudo o calor não qualificavam como sua vida, pelo menos há alguns anos. Tocou os pés no chão com tamanho cuidado - para não atrapalhar essa sensação despertada - e levantou-se num movimento delicado com medo de acordar, dessa vez, de verdade. Andou um pouquinho até chegar na janela, abriu-a e o que viu deixou-a perplexa. Rosa vermelhas e amarelas, vozes cantando parabéns, coro de risadas, e o Sol. Olhou seu gato na tentativa de que ele talvez mostrasse que aquilo não era uma manhã como qualquer outra, mas nada nele acusava indício de sonho. Um miau preguiçoso, como quem convida, parecia querer dizer: corre, besta, pára de pensar e vem aproveitar essa janela. Um gole d'água foi o último gesto à procura da realidade e, ainda, tudo continuava com uma luz tremenda, uma vontade de explodir-se em cores. E foi aí que, cansada de procurar alguma realidade, sentou-se à janela, por sob as rosas vermelhas e amarelas, e aceitou o presente.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Zéro de Conduite

A alegria andava ao lado. De fato, do outro lado do canal. O mesmo onde, ironicamente, cruzava o barquinho que carregava o brilhante nome de Zéro de Conduite. Do outro lado, o som do pandeiro, atabaque e tamborim, que caminhavam e levavam todos, faziam a magia dos corpos quando dançam, um ato de alegria tão comum para mim. E eu andando na outra margem, indo paralela à essa alegria, vendo-a caminhar lado a lado, tão perto e ainda, do outro lado. Fiquei desejando o último barquinho sem conduta para me ajudar a cruzar, mas ele já tinha saído havia tempo. Olhei a distância para a ponte, e vi que não valia o desvio. Olhei pra frente e vi o único trajeto possível, o qual já tinha traçado antes mesmo de correr paralela à alegria inusitada. E fiquei tranquila por considerá-la tão prazerosa quanto à realidade do outro lado, certa de que algumas escolhas se acalmam com o tempo.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Eu e meu gato.

um gato
dois olhos
três anos
quatro patas
cinco dedos
seis vezes
sete vidas
oito redondos
noves fora.

Ginástica da madrugada.

Eu já nem me lembro há quanto tempo não escrevo para pensar. Eu resisti (e muito), eu desisti de tentar expressar por falta de coragem, e, principalmente, decidi assumir que, afinal, não era tão boa assim com as palavras escritas. Foi aí que eu inventei o meu mito de que com a palavra falada e o trabalho de esforço físico eu era realmente muito melhor. Tem anos isso. É de uma velocidade impressionante, quase amedrontadora. Pouco a pouco, porém, veio crescendo em mim uma falta, um vendaval de vazios, que até então não estava sabendo explicar. Achava que era solidão. Achava que era incapacidade de amar, traumas, experiências difíceis. Afinal, tinha escolhido, e de tão sofrida a escolha, achei que tinha que amputar certos desejos. Mas esse buraco tomou uma forma tão amorfa em mim que não conseguia mais me reconhecer. E tenho passado meses tentando ir ao encontro de mim, desse tal reconhecimento. Me propus até pequenos estudos íntimos, leituras de ética, sabe, coisas a se aplicar. Mas não durou, não deu consistência ao buraco, e dei pra reforçar que de fato, minha decisão tinha então sido honesta.
Bastou uma semana difícil mais um encontro que, eu tenho certeza, poderia ter sido algo de extraordinário (o extraordinário! o extraordinário que procuro em toda esquina!) para me trazer a insônia, movimento muito pouco conhecido por mim. E dessa insônia, a necessidade física de falar alto em palavras, berros borrados numa página digital jogada no mundo sem um só leitor. E, das poucas linhas que consigo esboçar, quero tentar preencher não só páginas, mas o coração de entendimentos, de tréguas, de carinho feito por quem recebe. Não há verdades, nem medos. Existe a dureza, e essa, essa se esconde tão bem numa força que se transveste de maturidade. Entendi só agora (quanta demora!) que para curar enrijecimentos crônicos causados pelas dores, o exercício da escrita é o melhor alongamento da alma.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Neva em Paris um ano depois.

Neva em Paris. E eu não quero mais mostrar nada pra ninguém. E eu não entendo esse meu corpo que arde aqui dentro enquanto lá fora neva, branco e gelado. E eu continuo achando muito lindo, mas que sozinha, não sei se porque neva ou se apesar disso.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Amsterdam

Cidade torta é essa. Os prédios um pouco pêndulos para o lado e para a frente.
Elisa me disse que seria por causa dos móveis das casas que eram erguidos pelas fachadas para entrarem pelas janelas, já que pelas escadas era impossível.
Inclinados um pouco para a frente, os móveis que o subiam não bateriam nas paredes e janelas dos andares pelos quais deveriam passar. Para ajudar no sistema de guincho, todos os prédios antigos têm um braço no topo, normalmente decorado, ou de gesso, ou de ferro, para amarrar as cordas que erguem os móveis, num sistema muito simples.
De tão simples e inteligente, achei de uma delicadeza imensa imaginar essas casas todas habitadas só por moradores holandeses, quando a cidade ainda era ocupada por quem a construiu dessa maneira, tão linda.